Macrófitas aquáticas

As macrófitas aquáticas representam um grande grupo de vegetais que habitam desde ambientes brejosos a totalmente alagados, incluindo plantas com folhas flutuantes sobre a lâmina d’ água, de pequenas dimensões, até plantas arbóreas de bordas (Pott & Pott, 2000). Esses vegetais têm relevante função na dinâmica dos ecossistemas aquáticos, por influenciar na composição química da água, servir como substrato para o perifíton, formar a base das cadeias tróficas, além de participar do processo de ciclagem de nutrientes, constituindo-se num dos compartimentos mais complexos dos ecossistemas aquáticos (Esteves, 1998).

Seguindo a descrição feita por Pott & Pott (2000), as macrófitas podem ser classificadas quanto ao hábito de vida em:

  1. Macrófitas aquáticas emersas: enraizadas no sedimento, porém as folhas crescem para fora da água (ex.  Junco e Taboa).
  2. Macrófitas aquáticas com folhas flutuantes: enraizadas no sedimento e com folhas flutuando na superfície da água (ex. Lírio d’água e Vitória-régia).
  3. Macrófitas aquáticas submersas enraizadas: enraizadas, crescendo totalmente debaixo d’água (ex: Elódea e Cabomba).
  4. Macrófitas aquáticas submersas livres: permanecem flutuando debaixo d’água. Podem se prender aos pecíolos e caules de outras macrófitas (ex: Utriculária).
  5. Macrófitas aquáticas flutuantes livres: flutuam livremente na superfície da água (ex: Alface d’água, Aguapé, Orelha-de-rato).



Biotecnologia de macrófitas aquáticas

Os sistemas vegetais aquáticos apresentam potencial de uso em vários setores da biotecnologia, além dos serviços ecossistêmicos.  Podem ser usados na culinária, em empresas de paisagismo aquático como plantas ornamentais, matéria prima para artesanatos, no controle de erosão hídrica, adubo verde, biocombustíveis, entre outros.

À luz da ciência, tem sido revelado que muitas espécies de macrófitas aquáticas são eficientes na absorção, acumulação e biotransformação de contaminantes aquáticos. Por isso, muitas espécies de plantas aquáticas têm sido estudadas a fim de serem empregadas na ecotecnologia da fitorremediação, como agentes remediadores de águas contaminadas por poluentes de origem orgânica (hidrocarbonetos, pesticidas, nitrogenados e outros) e inorgânica (elementos traços, metais, elementos radioativos e outros).

Sistema de wetland construído para cultivo de plantas aquáticas, Hidrobotânica, SP. ©C.Lizieri

 

  • Fitorremediação

A fitorremediação consiste na utilização de espécies vegetais com potencial para remover, degradar ou isolar contaminantes orgânicos e/ou inorgânicos do meio, tanto em ambientes terrestres como aquáticos. A técnica vem sendo uma alternativa promissora visto que tende a minimizar a destruição e desestabilização dos ecossistemas, causa baixo impacto ambiental e permite a contínua regeneração da biomassa (Cunningham e Ow, 1996; Williams, 2002).

Dentre os processos da fitorremediação, a rizofiltração é um tipo específico que utiliza o sistema radicular de plantas aquáticas para absorver os elementos contaminantes do meio aquoso. As macrófitas aquáticas geralmente apresentam alta taxa de reprodução vegetativa, crescimento rápido e possuem sistema radicular abundante que propicia uma maior área de contato com o poluente (Dushenkov et al., 1995; Cunningham e Ow, 1996). Considerando essas características, a técnica da rizofiltração tem sido vista como vantajosa para a fitorremediação.

O Brasil é um país totalmente favorável à aplicação desta ecotecnologia, pois apresenta condições edafoclimáticas propícias, ambientes aquáticos abundantes e alta diversidade de espécies vegetais. Entretanto, a técnica ainda é pouco utilizada e reconhecida como um sistema eficaz de tratamento de efluentes no pais. Além de muitas espécies necessitarem de estudos mais aprofundados para conhecer suas potencialidades em sequestrar contaminantes em campo, considerando que a maioria dos relatos na literatura científica vem a partir de experimentos laboratoriais sob condições microclimáticas controladas.

Ambientes aquáticos têm sido os principais focos de poluição por diversas fontes, embora algumas vezes de origem natural, na maioria é devido às ações do homem.

Efluentes industriais envolvendo os processos de manufatura (metal, papel e agentes químicos) e esgotos domésticos são frequentemente lançados próximos ou diretamente em corpos d’água, a céu aberto. Muitos desses efluentes são ricos em substâncias químicas consideradas potencialmente contaminantes, como os metais. A presença excessiva de metais no ambiente aquático, acarreta problemas a curto e longo prazo e não somente às comunidades biológicas integrantes desses ecossistemas, mas também para a saúde da população humana em razão dos seus efeitos tóxicos na cadeia trófica. Entre os elementos químicos contaminantes dos recursos hídricos já foram identificados o arsênio (As), cádmio (Cd), cobre (Cu), zinco (Zn), mercúrio (Hg), cromo (Cr) e o manganês (Mn).

Nas últimas décadas, os estudos sobre as macrófitas aquáticas para remoção de elementos traços, têm sido intensificados pela comunidade científica devido, principalmente, aos danos ambientais ocasionados pelos efluentes oriundos do setor mineral. Tais estudos têm demonstrado que os sistemas vegetais aquáticos apresentam eficiência significativa na absorção e acúmulo de metais.

Resultados de pesquisas sobre o potencial de Azolla caroliniana, Salvinia minima e Spirodela polyrhiza para acumular manganês (Lizieri, C. et al. 2011)

Neste trabalho os autores constataram que as espécies de macrófitas aquáticas A. caroliniana, S. minima e S. polyrhiza acumularam Mn na sua biomassa. No entanto, as espécies se diferenciaram quanto a capacidade para acumular o elemento.
Azolla caroliniana apresentou os valores mais baixos (0,080 – 1,341 mg g-1 MS) de Mn acumulado, em relação às demais espécies estudadas. Trabalhos como de Santos (2006) e Guimarães (2006) avaliaram o potencial de A. caroliniana para acumular Arsênio (As) e constataram que esta espécie também apresentou reduzida capacidade para acumular o metalóide comparado as plantas de Lemna gibba e S. minima. Este fato sugere que A. caroliniana possui algum mecanismo de exclusão do excesso de metal. Consequentemente, a estratégia pode conferir maior tolerância à planta, por evitar acúmulo do elemento químico nos tecidos internos, impedindo a toxicidade no metabolismo do vegetal (Reichman, 2002). Entretanto, pesquisas têm considerado esta pteridófita aquática promissora para acumular Cd (Noraho e Gaur, 1996); Ni (Zhao e Duncan, 1998); Hg(II), Cr(III) e Cr(VI) (Bennicelli et al. 2004).

Plantas de S. minima apresentaram valores intermediários (0,097 – 4,283 mg g-1 MS) de acúmulo de Mn quando comparadas às espécies S. polyrhiza e A. caroliniana. Informações sobre o potencial de S. minima para absorver e acumular Mn são escassas. Respostas de acúmulo e efeitos tóxicos nesta espécie foram observadas em situações de estresse com Cd (Oliguín et al. 2002), Pb (Hoffmann et al. 2004), Cr (Nichols et al. 2000) As e atrazine (Guimarães, 2006). A aplicação de plantas do gênero Salvinia para remoção de metais tem sido considerada promissora por alguns pesquisadores (Oliguín et al. 2002; Hoffmann et al. 2004; Soares et al. 2008). O fato desta espécie apresentar crescimento rápido em diferentes habitats (Whiteman e Room, 1991) torna-se uma característica vantajosa para aplicação em fitorremediação.

A espécie S. polyrhiza acumulou as maiores concentrações de Mn (17,062 mg g-1 MS) no tecido vegetal. Sinha et al. (1994) relataram a capacidade dessa espécie em acumular concentrações substanciais de Mn. O potencial de S. polyrhiza em acumular diferentes contaminantes é relatado por vários autores (Tripathi e Chandra, 1991; Sinha et al. 1994; Rai et al. 1995; Noraho e Gaur, 1996) e o uso destas plantas em fitorremediação, também tem sido considerado promissor. Rai et al. (1995) verificaram que S. polyrhiza foi capaz de reduzir 90% do nível de cobre de uma solução. Sinha et al. (1994) verificou que S. polyrhiza acumula quantidades expressivas de ferro (71,0 µmol) em solução, o que foi constatado no presente estudo para o Mn.

A principal característica requerida para utilização de espécies vegetais na técnica de fitorremediação é o bioacúmulo do poluente associado à alta produtividade de biomassa vegetal (Vissottiviseth et al. 2002). No entanto, o acúmulo excessivo de metais em plantas, geralmente é conhecido por produzir respostas fisiológicas e bioquímicas danosas ao metabolismo das plantas, afetando o crescimento e desenvolvimento vegetal (Barceló e Poschenrieder, 1990; Oliveira et al. 2001) e inviabilizando a utilização e emprego da espécie na tecnologia de fitorremediação.

Neste estudo foi verificado que o acúmulo de Mn em plantas expostas às concentrações de 0,2 – 0,4 mM está associado a produção de sintomas de toxidade nas três espécies estudadas, porém, tais eventos ocorreram de formas diferentes. Verificou-se redução do conteúdo de clorofila em plantas de A. caroliniana, S. minima, e uma redução mais acentuada em plantas de S. polyrhiza. A redução do conteúdo de clorofila em plantas expostas ao Mn tem sido associada, pelo menos em parte, ao fato deste metal induzir a deficiência de Fe nos tecidos do vegetal, o qual é requerido para a síntese de clorofila (Csatorday et al. 1984; Beale, 1999). Outra hipótese sugere que o Mn pode substituir o íon Mg na molécula de clorofila levando, consequentemente à desnaturação desta molécula (Mukaopadhyay e Sharma, 1991; Hauck et al. 2002). Também foi constatado decréscimo no conteúdo de carotenóides nas plantas de S. polyrhiza e A. caroliniana. Resultados similares foram encontrados por Caldwell (1998); Lidon et al. (2004) e Asrar et al. (2005) para diferentes espécies terrestres. A redução deste pigmento parece estar relacionada a um desarranjo dos tilacoides causado pelo excesso de Mn. Lindon et al. (2004) verificaram que quanto maior o aumento da concentração de Mn no tecido foliar, maior a concentração deste elemento nos tilacoides. O acúmulo de Mn nos tilacoides, provavelmente, interfere no empilhamento e conteúdo de pigmentos localizados na estrutura. Esta hipótese poderia ser aplicada para a redução do conteúdo de carotenóides observadas em plantas A. caroliniana e S. polyrhiza, após o aumento das concentrações (0,2 a 0,4 mM) de Mn em solução.

Figura: Caracterização da sintomatologia visual das macrófitas aquáticas estudadas. A. C. E. plantas controle; B. D. F. plantas submetidas ao tratamento de 0,4 mM de Mn; A. vista geral de plantas de Azolla caroliniana controle; B. vista geral de plantas de Azolla caroliniana exposta ao Mn; C. vista geral de plantas de Salvinia minima controle; D. vista geral das plantas de Salvinia minima exposta ao Mn, evidenciando clorose nas frondes (seta); E. vista geral das plantas de Spirodela polyrhiza controle; F. vista geral das plantas de Spirodela polyrhiza exposta ao Mn evidenciando clorose nas folhas (seta). ©C.Lizieri.

Disponível em: https://doi.org/10.1590/S2175-78602011000400016  

O crescimento das plantas de A. caroliniana e S. minima não foi inibido significativamente pelo excesso de Mn. Somente em plantas de S. polyrhiza foi constatado uma redução do crescimento a partir da concentração 0,2 mM de Mn. Sinha, et al. (1994) estudaram o efeito do Mn no crescimento de S. polyrhiza, em concentrações inferiores (0,01 a 0,2 mM de Mn) as utilizadas neste trabalho, e verificaram que a biomassa produzida por S. polyrhiza foi inversamente proporcional as concentrações de Mn. Este resultado é similar ao encontrado no presente estudo. A redução do crescimento de plantas S. polyrhiza pode ter sido acarretada pelo decréscimo acentuado do conteúdo de clorofila verificado nas plantas, além de um desequilíbrio nutricional supostamente causado pelo excesso de Mn, como relatado por Alam et al. (2000) e Shi e Zhu (2008).

As respostas ao acúmulo de Mn pelas três espécies estudadas, provavelmente, estão associadas às diferenças de absorção e conteúdo de Mn acumulado nos tecidos das plantas. Os resultados mostraram que, as espécies A. caroliniana e S. minima toleraram excessos de Mn, entretanto, as plantas foram ineficientes para acumular quantidade elevadas do metal. O alto conteúdo de Mn acumulado nos tecidos de S. polyrhiza sugere que essa espécie possui potencial para acumular Mn, porém, uma resposta de sensibilidade foi observada em plantas crescidas sob concentrações mais elevadas (0,4 mM de Mn).

Vários outros estudos vêm demonstrando a capacidade de resistência de espécies de plantas aquáticas aos elementos traços sem apresentar efeitos negativos no seu crescimento (Bassi & Sharma, 1993; Gaur et al.; 1994; Pott & Pott, 2002). Spirodela polyrhiza e Azolla pinnata são apontadas, no estudo de Gaur et al. (1994), como acumuladoras e resistentes, em diferentes graus, aos metais Cd, Cr, Co, Ni e Pb. Segundo Garg & Chandra (1990), Ceratophyllum demersum sobreviveu em ambientes com concentrações de Cr maiores que os recomendados e apresentaram capacidade de acumular o metal. Granato (1995) aponta Eicchornia crassipes como um exemplo a ser empregado na despoluição de ambientes aquáticos, devido suas capacidades depurativas.

O uso combinado e/ou alternado de espécies vegetais na técnica de fitorremediação pode ser uma alternativa mais eficaz, uma vez que colocados em conjunto os diferentes potenciais, limites e tolerância das plantas diante dos contaminantes, resultarão em uma maior abrangência dos mecanismos de atuação. Entretanto, é importante ressaltar que o monitoramento é de extrema importãncia para o acompanhamento do desempenho de cada grupo de plantas e evitar o desequilíbrio ecológico, especialmente quando a técnica for aplicada em ambientes naturais.

Consulte as referências bibliográficas para acessar mais informações sobre o assunto

Bassi, R. & Sharma, S.S. Changes in proline content accompanying the uptake of Zinc and copper by Lemna minor. Annals of Botany. n.72, p.151-154. 1993.

Cabana, G.; Tremblay, A.; Kaff, J. & Rasmussen, J. B. 1994. Pelagic food hain Structure in Ontario Lakes: A determinant of mercury levels in lake trout (Salvelinus namaycush). Can J Fish Aquat Sc. 51, 381-389.

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Conselho Nacional Do Meio Ambiente – CONAMA. Resolução nº 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências.

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Zagatto, A. & Bertoletti, E. 2006. Ecotoxicologia Aquática – Princípios e Aplicações. 1. ed. São Carlos: RiMa, 478 p.

“A qualidade dos ecossistemas aquáticos e suas comunidades biológicas está diretamente relacionada com a nossa qualidade de vida, como fonte vital para o consumo de água, fonte de alimento, regulação do clima da Terra, fonte de energia e entretenimento.”


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