Cianobactérias

Um breve histórico de vida

As cianobactérias constituem um antigo e bem diversificado grupo bacteriano, com morfologias e diferenciação celular complexas e únicas. Microfósseis identificados como cianobactérias foram encontrados em rochas tão antigas quanto o início do arqueano, embora sua biogenicidade e interpretação são altamente debatidas.

As datações para as primeiras cianobactérias variam entre 3,3 bilhões e 3,5 bilhões de anos para os famosos estromatólitos da Austrália, apresentados na publicação de Schopf e Packer (1987), até 1,9 bilhões de anos na publicação de Golubic e Hofmann (1976). Estes últimos, descrevem o microfóssil proterozóico mais emblemático identificado até agora e com certeza de ser uma cianobactéria (Eoentophysalis belcherensis).  Uma publicação mais recente de Demoulin e colaboradores (2019), reporta que até o momento apenas três microfósseis são inequivocamente identificados como cianobactérias, sendo eles, Eoentophysalis, Polybessurus e Eohyella.

Embora há muitas controvérsias sobre as primeiras datações desses microganismos, eles estão presentes com tempo suficiente para  diversificarem-se e adaptarem-se aos mais diversos ambientes da Terra.  Fato que tem sido tomado como evidência para explicar o sucesso da colonização das cianobactérias nos mais diversos e extremos ambientes presentes nos dias atuais.

Cianobactérias assumiram um papel crucial nos fluxos biogeoquímicos iniciais, na evolução da vida na Terra e na biosfera primitiva. Sendo os primeiros organismos a realizarem fotossíntese oxigênica, contribuíram para o aumento do oxigênio na atmosfera e nos oceanos, por meios de processos biológicos e geológicos, desde o chamado Grande Evento de Oxidação, em torno de 2,4 bilhões de anos.

Biofilme de cianobactéria sobre rocha em área vulcânica, Ilha Branca  (White Island), Nova Zelândia. ©C.Lizieri

Cianobactérias também atuam como os principais produtores primários nos oceanos, do passado e presente, desempenhando um papel fundamental nas redes alimentares. Fornecem nitrogênio aos ecossistemas terrestres e aquáticos através da fixação biológica de Natmosférico e aumentam o teor de matéria orgânica no solo.

Esses microrganismos, possuem vários mecanismos de respostas ao estresse e são altamente responsivos à disponibilidade rápida de água e luz solar. Habitam ambientes hostis, desde vulcões às geleiras da Antártica e regiões áridas do Atacama. São os ancestrais dos cloroplastos, constituindo a história evolutiva das plantas.

Biofilme de cianobactérias sobre rocha em canal de degelo, Península Keller, Antártica. ©C.Lizieri

Cianobactérias eram tradicionalmente descritas como algas e referidas como “algas verde-azuladas”. Até o final do século 20, o sistema nomenclatural de cianobactérias seguia apenas o Código Internacional de Nomenclatura Botânica. No final dos anos setenta, pesquisadores (Stanier et al., 1978) reconheceram a natureza procariótica das cianobactérias e propuseram seguir o Código Internacional de Nomenclatura para Bactérias. Desde então, a classificação taxonômica das cianobactérias tem sido continuamente reavaliada.

A identificação de cianobactérias utiliza-se de análises moleculares, morfológicas, ecológicas, fisiológicas e bioquímicas. Atualmente, mais de 3 mil espécies de cianobactérias já foram descritas.

Esteira microbiana compostas por cianobactérias, em lagos salinos, Laguna Amarga, Torres del Paine ©C.Lizieri


Florações e cianotoxinas

Apesar das cianobactérias atuarem em processos cruciais para o equilíbrio e manutenção dos ecossistemas naturais, esses organismos podem ocasionar danos ambientais, especialmente em ecossistemas aquáticos. Um dos principais eventos danosos é a ocorrência de floração, também conhecido por bloom de cianobactérias. Geralmente, isso acontece quando o crescimento das cepas de cianobactérias é positivamente favorecido pelo enriquecimento de nutrientes na coluna d’ água. 

A floração ocorre pelo aumento na densidade de células, frequentemente de uma ou algumas espécies de cianobactérias. Este acontecimento leva à alteração da cor, turbidez e pH da água, gosto e odor desagradável, alteração na riqueza e densidade de espécies, mortandade de peixes, aves e mamíferos e, consequentemente, ocasionando o desequilíbrio ecológico. Além de resultar problemas à saúde pública devido à produção de cianotoxinas.

Cianotoxinas são substâncias químicas produzidas pelas células de cianobactérias que podem ser altamente tóxicas e atuar em diferentes regiões do corpo animal, como por exemplo na pele, sistema digestório (no fígado) e nervoso. Dois casos bem reportados para a saúde pública podem ser encontrados na literatura científica, sendo um deles ocorrido no Brasil:  “Síndrome de Caruaru” em 1996 (acesso ao artigo DOI: doi.org/10.1016/s0300-483x(02)00491-2) e a doença neurodegenerativa entre o povo Chamorro de Guam em 2003 (acesso ao artigo: doi.org/10.1073/pnas.2235808100)

É devido ao potencial para produção de cianotoxinas, que as normativas legais das águas exigem o monitoramento de cianobactérias nos abastecimentos de água das cidades e estabelecem limites permissíveis de células presentes nos corpos d’ água tanto para recreação como para o consumo. 

Floração de cianobactéria formada na lagoa da Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. ©C.Lizieri


Biotecnologia de cianobactérias

A diversidade ecológica, fisiológica e bioquímica apresentada pelas cianobactérias, tem favorecido o estudo desses organismos em diversas áreas da ciência. Na biotecnologia, as cianobactérias têm sido consideradas boas candidatas para diversas aplicações.

Fertilizantes nitrogenados. Devido à capacidade de fixar nitrogênio atmosférico, as cianobactérias vêm sendo aplicadas, principalmente, em lavouras de arroz para aumentar o input de nitrogênio disponível para o metabolismo vegetal, sobretudo em áreas pobres deste nutriente. A aplicação de cianobactérias ou de seus compostos em áreas agricultáveis, também pode levar à melhoria da fertilidade do solo e diminuir o consumo de agroquímicos ricos em compostos nitrogenados.

Exploração como fonte de alimentação humana. Cianobactérias apresentam teores elevados de proteínas (até 65% da matéria seca para algumas espécies) e fibras. Por isso, podem desempenhar um papel fisiológico e nutricional importante na dieta humana. Mulheres Kanembu (África), por gerações passaram de mães para filhas os métodos tradicionais de cultivo e colheita da cianobactéria Spirulina para fazer o dihé. Atualmente, esta mesma cianobactéria é comercializada em forma de suplemento alimentar e podem ser encontradas nas prateleiras das farmácias e lojas de produtos naturais.

Exploração para produção de biocombustível. Pesquisas têm demonstrado que algumas espécies de cianobactérias produzem alto teor de lipídios. Adicionalmente, esses microrganismos apresentam capacidade fotossintética para converter até 10% da energia solar em biomassa, em comparação com 1% registrado para culturas energéticas convencionais, tais como o milho ou cana-de-açúcar. Cianobactérias produzem biomassa ininterrupta durante o ano todo com a possibilidade de alta produtividade em lipídios, carboidratos e proteínas e necessitam de baixo consumo de água em comparação com fontes de biomassa usuais. Todas essas características fazem das cianobactérias fontes promissoras para investigação na produção de biocombustíveis. Além de  atenderem os critérios de uma conversão de energia versátil, menos investimento de capital, maior produção por unidade de área, não poluente, ecologicamente agradável e segura. Estudos já bastante avançados neste tema têm sido disponibilizados na literatura científica e transformados em biotecnologia.

Experimentos usando culturas de cianobactérias para testes ecotoxicológicos. ©C.Lizieri

Biorremediação. As pequisas para avaliar o potencial de cianobactérias na remediação de ambientes aquáticos poluídos têm aumentado significativamente nas duas últimas décadas. Entretanto, estudos desde 1989 avaliaram o pontencial de cianobactérias para degragadar compostos de petróleo.

A presença dominante de cianobactérias em regiões marítimas contaminadas por petróleo no Golfo Arábico, após o maior incidente com derramamento de petróleo durante a guerra do Golf em 1991, chamou atenção para o potencial de cianobactérias na biodegradação de compostos de petróleo.

Atualmente, as cianobactérias têm sido testadas para biosorção, biodegradação, biotransformação de diversos contaminantes provenientes de efluentes da indústria textil, farmacêutica, hospitalares e do setor mineral. O potencial para biocumular elementos traços por esses microrganismos vem tomando destaque entre a comunidade acadêmica e o setor industrial devido à preocupação com a poluição crescente dos recursos hídricos, especialmente no Brasil, onde a mineração ocupa uma posição crucial na economia do país, ao mesmo tempo que contribui significativamente para a presença de elementos traços e demais materiais  particulados nos corpos d’ água. A exemplo, pode-se citar a tragédia ocasionada pelo rompimento das barragens de rejeito de mineração no distrito de Bento Rodrigues (novembro, 2015) e posteriormente na cidade de Brumadinho (janeiro, 2019), ambas no estado de Minas Gerais. Tais eventos ocasionaram um desastre ambiental e social histórico. Concentrações altas de As, Hg, Cd, Pb, Sn, Fe e Mn presentes nas águas da bacia do Rio Doce foram reportadas nos relatórios da Agência Nacional de Águas – ANA (2015) e Instituto Mineiro de Gestão de Águas – IGAM (2015).

Para exemplo de estudos científicos que buscam trazer informações sobre o potencial de cianobactérias para a remediação dos recursos hídricos contaminados por elementos traços, podemos citar Moura e colaboradores, 2019 (acesso ao artigo completo DOI: https://doi.org/10.1007/s10646-019-02098-y). Os pesquisadores analisaram os efeitos do manganês (Mn) sobre diferentes espécies de cianobactérias na busca de compreender as dimensões da toxicidade do elemento químico sobre a biodiversidade aquática e de encontrar organismos resistentes e/ou tolerantes que possam ser utilizados em processos biotecnológicos para mitigação dos corpos d’ água contaminados por Mn.

Consulte as referências bibliográficas para mais informações: 

Demoulin C.F.;  Lara, Y.J.; Cornet, L.; François, C.; Baurain, D.; Wilmotte, A. & Javaux E.J. Cyanobacteria evolution: Insight from the fossil record. Free Radical Biology and Medicine, 206-223 (2019). https://doi.org/10.1016/j.freeradbiomed.2019.05.007

Golubic, S. & Hofmann, H.J. Comparison of holocene and mid-precambrian entophysalidaceae (cyanophyta) in stromatolitic algal mats: cell division and degradation, Journal of Paleontology 50 1074–1082 (1976). https://www.jstor.org/stable/1303548

Moura, K.A.F.; Lizieri, C.; Franco, M.W.; Vaz, M.G.M.V.; Araújo, W.L, Convey, P.; Barbosa, F.A.R. Physiological and thylakoid ultrastructural changes in cyanobacteria in response to toxic manganese concentrations. Ecotoxicoly 28, 1009–102 (2019) . https://doi.org/10.1007/s10646-019-02098-y

Nabout, J.C.  Rocha, B.S. Carneiro, F.M,  Sant’Anna, C.L. How many species of Cyanobacteria are there? Using a discovery curve to predict the species number. Biodivers Conservation 22, 2907–2918 (2013). https://doi.org/10.1007/s10531-013-0561-x

Phillipis, R. & Vincenzini, M. Exocellular polysaccharides from cyanobacteria and their possible applications. FEMS Microbiology Reviews 22, 151-175 (1998).

Stanier, R.Y.,  Sistrom, W.R., Hansen, T.A.,  Whitton, B.A.  Castenholz, R.W., Pfennig, N., Gorlenko, V.N., Kondratieva, E.N.,  Eimhjellen, K.E.,  Whittenbury, R., Gherna, R.L.  & Trüper, H.G. Proposal to place the nomenclature of the cyanobacteria (Blue-Green algae) under the rules of the international Code of nomenclature of bacteria, Int. J. Syst. Evol. Microbiology 28, 335–336 (1978). https://doi.org/10.1099/00207713-28-2-335.

Stal, L. J; Henley, W.;  Kvíderová, J.;  Kirkwood, A.;  Milner, J. & Andrew Potter. 2007. Adaptation of Algae to changing environments: In Algae and cyanobacteria in Extreme environments. Edited byJ. Seckbach. Springer 811p (2007).

Schopf, J.W. &  Packer, B.M. Early archean (3.3-billion to 3.5-billion-year-old) microfossils from warrawoona group, Australia, Science 237, 70–73 (1987). https:// doi.org/10.1126/science.11539686.

Schopf, J.W.; Kudryavtsev, A.B.; Agresti, D.G.; Wdowiak, T. J. & Czaja, A.D. 2002. Laser-Raman imagery of Earth’s earliest fossils. Nature 416, 73-76 (2002). https://doi.org/10.1038/416073a

Tice, M. M. & Lowe, D.R. Photosynthetic microbial mats in the 3,416-Myr-old ocean. Nature 431, 549-552 (2004). https://doi.org/10.1038/nature02888

Para acessar mais sobre o tema, clique nos links abaixo